A lei que estabeleceu que a utilização de GLP para fins energéticos seria um crime é datada de 1991 e tinha como pano de fundo a Guerra do Golfo.
Por Pedro Zahran Turqueto
Imagine se tivéssemos a possibilidade de utilizar um energético eficiente, barato, de combustão limpa, que esteja presente em todo território nacional para gerar energia elétrica, esquentar caldeiras ou em automóveis. E que este energético pudesse ser um grande aliado em tempos de uma crise hídrica sem precedentes com ameaça de apagão, como a que vivemos.
Agora imagine que usar esse energético é crime contra a ordem econômica no Brasil, com pena de 1 a 5 anos de prisão. Pois é justamente isso que ocorre com o GLP, conhecido sintomaticamente como “Gás de Cozinha” no Brasil.
A lei que estabeleceu que a utilização de GLP para estes fins seria um crime é datada de 1991 e tinha como pano de fundo a Guerra do Golfo. O governo temia que o conflito gerasse uma escassez de derivados de petróleo no mundo, inflacionando os custos. Decidiu-se então que o país iria utilizar o produto basicamente para cozinhar.
De lá para cá já se passaram mais de 30 anos, a Guerra do Golfo acabou, o Brasil descobriu o Pré-sal, passamos a produzir mais de 70% do GLP consumido no nosso território, criamos um mercado de distribuição altamente competitivo e capilarizado, em uma cadeia que emprega mais de 350 mil brasileiros e gera bilhões em impostos arrecadados.
Mesmo assim, o produto segue sendo escanteado dentro de nossa matriz energética. Outros países já entenderam há tempos a importância do GLP: não à toa apenas o agronegócio norte-americano consome mais deste gás que toda a indústria e comércio brasileiro.
Hoje existe uma clara necessidade de investimento em infraestrutura para recepção do produto importado, com a construção de portos e tancagens, o que traria mais eficiência logística, confiabilidade de oferta, geraria empregos e diminuiria os custos do GLP.
A isso, soma-se a vontade declarada da Petrobras de não ser mais a garantidora exclusiva do fornecimento do produto aos distribuidores.
Há aqui um mercado sedento por investimentos privados, mas que é freado artificialmente por uma regulação destoante das necessidades do país, que faz com que o consumo do produto tenha um crescimento marginal, quando estudos mostram que o mercado nacional poderia chegar em menos de 5 anos a mais de 10 milhões de toneladas por ano (hoje consomem-se cerca de 7,5 milhões de toneladas anualmente).
Se todos os motivos elencados acima ainda não fossem suficientes para mudar a regulação, ainda deve-se considerar a distorção de mercado, que gera ineficiências e prejuízos a consumidores e empresas. Tomemos, por exemplo, um condomínio de alto padrão. Uma distribuidora de GLP só pode oferecer seu produto para aquecimento de água e cocção de alimentos. Já uma distribuidora de Gás Natural que aborde o mesmo condomínio vai oferecer o seu produto para aquecimento de água, cocção, aquecimento de sauna, piscina e até para um gerador de energia. Mesmo o GLP sendo 25% mais eficiente, essa opção acaba sendo desconsiderada, cerceando a concorrência.
Em um outro exemplo, mais próximo da realidade da grande maioria dos brasileiros, a utilização do GLP em detrimento da lenha (segundo a EPE, 27% da energia residencial brasileira é feita a lenha, ante 26% de GLP) faria com que a saúde da população melhorasse, e muito. Estudos recentes realizados pela OMS apontam que cozinhar a lenha equivale a fumar dois maços de cigarro por dia, e gera doenças como câncer de pulmão, catarata, tuberculose e asma. Neste sentido, o já citado investimento em infraestrutura, somado a eventual programa social para quem hoje se encontra nessa situação, poderiam fazer grande diferença.
A Índia, aqui, deveria nos servir de exemplo, com uma regulação moderna que conseguiu em poucos anos atrair fluxos de capital privado, atingir 80 milhões de residências com GLP, se tornar o terceiro maior consumidor do produto no mundo e melhorar os índices de saúde da sua população, através de um programa chamado “Blue Flame Revolution”.
Cabe a nossos reguladores e governantes perceberem que uma regulação moderna e alinhada com as necessidades do país barateará o custo de vida no curto e no longo prazo, melhorará a saúde da população e possibilitará um melhor planejamento energético, o que irá impedir que fiquemos à mercê de eventuais crises hídricas.
Pedro Zahran Turqueto é Vice-Presidente de Estratégia e Mercado da Copa Energia