Introdução

Há uma tendência entre os governos da nossa região de revisitar tópicos que muitas vezes os distraem dos problemas mais urgentes que suas sociedades enfrentam. No mercado de gás liquefeito de petróleo (GLP), isso é notavelmente evidente. De tempos em tempos, ressurgem discussões sobre questões como o sistema de marcas e fracionamento, enquanto os problemas mais prementes – falta de acesso a GLP por parte de uma parcela significativa da população e a pobreza energética que dela resulta – permanecem em segundo plano.

A proteção da marca é um pilar fundamental do mercado de GLP, uma vez que desempenha um papel crucial na garantia do direito de escolha do consumidor, representando um compromisso da indústria com a qualidade e a segurança. Sendo um produto altamente inflamável e amplamente utilizado na sociedade latino-americana, todo o sistema regulatório do setor está voltado para a segurança do produto e principalmente do consumidor.

Quanto ao enchimento fracionado, sua proibição está corretamente prevista pela regulação em vigor, e não só pelo aspecto da segurança, pois estudos econômicos realizados em 2018, no Brasil, durante Tomada Pública de Contribuições (TPC), conduzida pela ANP, demonstraram que o sistema de recarga fracionada não é economicamente viável em um setor que se caracteriza por elevadas economias de escala ao longo de sua cadeia produtiva. Esses estudos concluíram ainda que permitir o enchimento fracionado incentiva as fraudes, dificulta e encarece a fiscalização, aumenta o custo do produto e reduz, de forma inaceitável, a segurança do consumidor.

Portanto, se queremos, como sociedade, enfrentar o real desafio social relacionado ao setor de GLP, devemos buscar soluções para garantir que todos os consumidores, especialmente a parcela mais vulnerável de nossa sociedade, tenham acesso seguro e viável ao GLP.

A pobreza energética

A pobreza energética, que não possui uma definição formal, mas que a Agência Internacional de Energia (IEA, por sua sigla em inglês) define como a falta de acesso a combustíveis limpos e comerciais, equipamentos eficientes e eletricidade e uma alta dependência da biomassa tradicional, que é, principalmente, queimada em fogões ineficientes e poluentes, é um problema sério que normalmente é colocada em segundo plano nas discussões de políticas públicas. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2,3 bilhões de pessoas no mundo não tem acesso adequado a fontes confiáveis e acessíveis de energia para cocção, como, por exemplo, o GLP. Ainda segundo a OMS, na América Latina a lenha é fonte primária para cocção para mais de 60 milhões de pessoas, causando morte prematura de milhares de pessoas, especialmente mulheres e crianças. Além disto, os custos financeiros associados às doenças relacionadas à poluição causada pela utilização de lenha para cocção atingem a ordem de bilhões de dólares por ano.

Ou seja, a pobreza energética é um problema real cuja solução envolve o empenho dos governos, que por meio de políticas públicas eficientes e bem direcionadas, podem e devem encontrar soluções aceitáveis. Tais políticas precisam não apenas ampliar o acesso à energia, mas também garantir sua sustentabilidade e acessibilidade financeira. Neste sentido, segundo estudo publicado em julho de 2023 pela IEA, o GLP continua sendo a solução primária para fornecer acesso a cozinhas limpas.

Sua capilaridade permite que chegue a lugares remotos onde as redes de distribuição de energia elétrica ou gás natural não alcançam. Sua portabilidade permite ser facilmente transportado e instalado, não exigindo uma infraestrutura complexa ou invasiva para a instalação. Isso significa que as famílias podem ter acesso a uma fonte de energia confiável e versátil sem a necessidade de grandes investimentos em infraestrutura.

Conclusão

Para efetivamente combater a pobreza energética, é crucial que os governos da nossa região conduzam uma reflexão profunda sobre suas estratégias energéticas. Esse processo exige deixar de lado soluções fáceis, e normalmente erradas, e se dedicar a buscar alternativas mais sustentáveis e eficientes.

Neste sentido, sabemos que o GLP tem uma relevância social inquestionável. É um recurso que todos deveriam ter direito, e essa garantia deve ser a principal prioridade.

Com foco nas questões corretas e políticas adequadas, os governos podem começar a fazer uma diferença significativa e com a colaboração da indústria é possível desenvolver soluções inovadoras e adaptadas à cada realidade local, permitindo que a população mais vulnerável tenha acesso a uma fonte de energia confiável e segura.

Finalmente, é importante ressaltar que a segurança do consumidor e a luta contra a pobreza energética devem estar acima de qualquer discussão sobre marca e fracionamento. Só desta forma poderemos construir uma agenda positiva e enfrentar o real desafio social que temos pela frente.

Fabrício Duarte – Diretor Executivo