Introdução

A indústria de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) desempenha um papel crucial na matriz energética de toda a América Latina, fornecendo energia para milhões de domicílios. Garantir sua operação eficaz e a proteção dos consumidores exige uma regulamentação econômica robusta, moderna e eficaz.

No cenário latino-americano, o GLP enfrenta desafios particulares. A volatilidade dos preços, influenciada tanto por fatores internos quanto por dinâmicas globais, como conflitos geopolíticos e flutuações no mercado de petróleo, impõe dificuldades adicionais para sua distribuição e acessibilidade e ainda podem impactar diretamente a economia doméstica dos consumidores. Como o GLP tem grande importância na cesta de consumo da população, suas implicações sociais acabam por mobilizar a atenção da mídia e, por consequência, da classe política, fazendo com que a regulação do mercado e as políticas concorrenciais sejam constantemente objetos de discussão.

Embora tratado com uma simplicidade indevida, essa discussão é parte de um problema complexo, e, citando o jornalista americano H L Mencken, “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.” Assim, o que vemos em nossa região são constantes propostas de revisões regulatórias que, sob a bandeira da redução do preço do produto, acabam por trazer insegurança e, ao contrário do que se deseja, aumento de custo, prejudicando justamente aquele que deve ser protegido: o consumidor final.

Toda esta dinâmica de mercado foi amplamente discutida no 5º Congresso Internacional da Gasnova, realizado entre os dias 23 e 24 de agosto, na cidade de Bogotá, Colômbia. Foram dois dias de intensos debates em que tive a oportunidade de participar, como debatedor, em um painel muito interessante, cujo tema foi “marco regulatório, para que haja futuro”.

Refletindo sobre o tema, é importante tratarmos sobre os avanços regulatórios da indústria do GLP, até os dias de hoje, para, de forma ponderada, podermos refletir sobre o que precisamos fazer para que nosso setor possa evoluir, trazendo benefícios econômicos e sociais para nosso consumidor final.

Para isso, nós na AIGLP, estamos constantemente promovendo as melhores práticas regulatórias, que permitam: que as empresas tenham segurança para os necessários investimentos em qualidade e infraestrutura; que proporcionem um ambiente competitivo para a indústria; e que garantam que o GLP continue sendo uma fonte de energia viável e confiável para todos.

Nossos Pilares

Nossos pilares fundamentais incluem o respeito pela marca, a oposição à existência de um parque comum de cilindros, a necessidade de uma regulamentação específica para a requalificação dos cilindros, e a segurança em todos os níveis da cadeia do GLP, desde sua produção até sua chegada ao consumidor final.

Também defendemos veementemente a livre concorrência, pois acreditamos ser essencial para manter uma competição saudável entre as empresas, resultando em preços mais baixos e melhor qualidade para os consumidores.

  1. Marca:

A marca estampada em um botijão de gás vai além de simplesmente identificar uma empresa; é um emblema de comprometimento, excelência e responsabilidade. Esta identificação clara serve como um catalisador para que as empresas mantenham padrões de qualidade elevados, consolidando a confiança do consumidor no setor. A preservação da integridade da marca não só previne litígios jurídicos, mas também garante que empresas possam ser claramente responsabilizadas em situações adversas.

Neste contexto, a marca torna-se mais do que um símbolo corporativo. É um pacto silencioso entre produtor e consumidor, garantindo que o produto adquirido atende aos mais altos padrões de qualidade e segurança. Em um mercado cada vez mais competitivo, onde os consumidores têm uma variedade de opções à disposição, a confiança instilada por uma marca reconhecida pode ser um diferencial crucial. Assim, ao reconhecer e respeitar a relevância de uma marca no botijão, estamos também valorizando o compromisso da empresa com a excelência, o bem-estar e o direito de escolha de seus consumidores.

  1. Contra o parque comum de cilindros:

A oposição à criação de um parque comum de cilindros de GLP é essencial para preservar a individualidade, a responsabilidade e a inovação dentro da indústria. Cada empresa, ao possuir seus próprios cilindros, é responsável pelo controle de qualidade, manutenção e rastreabilidade de seus produtos. Isso incentiva cada fabricante a manter padrões elevados, pois sua reputação está diretamente ligada à qualidade e segurança dos cilindros que disponibiliza ao mercado.

Além disto, um parque comum pode conduzir ao sucateamento da indústria. A uniformização dos cilindros pode desencorajar os investimentos em requalificação e aquisição de novos cilindros. Sem a clara identificação e responsabilidade sobre os cilindros, surgem incentivos à fraude, deteriorando a confiança no sistema. A consequência é um aumento na insegurança do consumidor final, que passa a estar mais vulnerável a cilindros defeituosos ou mal mantidos. Esta perspectiva sublinha a importância de manter a individualidade dos cilindros, garantindo um mercado que priorize a segurança, a inovação e a satisfação do cliente.

  1. Requalificação:

A requalificação dos cilindros de GLP é fundamental para garantir a segurança do consumidor e manter a integridade estrutural do recipiente. Com o tempo e o uso contínuo, os cilindros podem apresentar desgastes, corrosões ou outras imperfeições que comprometem sua eficácia e segurança. A requalificação periódica permite a identificação e correção dessas falhas, evitando vazamentos que podem resultar em acidentes domésticos graves, como incêndios ou explosões. Ao assegurar que os cilindros estão em perfeitas condições de uso, protege-se não apenas o consumidor final, mas também os profissionais envolvidos em toda a cadeia de distribuição.

Para a indústria, a requalificação dos cilindros de GLP não é apenas uma medida de segurança, mas também um indicativo de responsabilidade e comprometimento com padrões elevados de qualidade. Além de prevenir potenciais acidentes que possam afetar sua reputação e resultar em responsabilidades legais, a prática reforça a confiança do consumidor na marca e no produto. Adotar medidas rigorosas de inspeção e manutenção dos cilindros demonstra o compromisso em fornecer um produto seguro e confiável, contribuindo para a consolidação e crescimento sustentável do setor.

  1. Segurança do Consumidor:

O GLP, em virtude de sua natureza intrinsecamente volátil, demanda protocolos de segurança rigorosos. Tais protocolos transcendem simples normativas, representando genuínos compromissos com a preservação da vida e o bem-estar humano. Neste contexto, uma única falha pode culminar em desastres devastadores, ressaltando a necessidade de priorizar a segurança.

A relação do consumidor com o GLP é ancorada na certeza de que o produto que adentra seus lares é confiável. Essa relação de confiança, construída sobre alicerces sólidos, é crucial para a sustentabilidade e crescimento da indústria.

Em um mercado cada vez mais competitivo, a segurança torna-se não apenas um dever ético, mas um diferencial estratégico. As empresas que demonstram comprometimento constante com padrões de segurança elevados não apenas reforçam sua reputação, mas também solidificam sua posição no mercado, garantindo a fidelidade de seus clientes e estabelecendo um padrão para novos entrantes no setor.

  1. Liberdade de Preços e Livre Competição:

Um mercado verdadeiramente competitivo é aquele onde empresas lutam para oferecer o melhor valor ao consumidor. Restrições excessivas podem inibir essa dinâmica, enquanto a liberdade de preços e a concorrência leal incentivam a inovação e melhorias do serviço. Além disto, a competição resulta em preços mais vantajosos, garantindo que os consumidores recebam o máximo valor por seu dinheiro.

A natureza do produto GLP e sua importância social, faz com que as condições de concorrência e qualidade da regulação sejam muito importantes para a promoção do bem-estar dos consumidores e, em especial, para as famílias mais vulneráveis. Ao permitir que as organizações operem em um campo nivelado, incentiva-se o crescimento sustentável, a diversificação de ofertas e a entrada de novos players, que juntos enriquecem o ecossistema comercial e impulsionam o progresso contínuo do setor.

  1. Ineficiência do Abastecimento Fracionado:

Além dos nossos pilares, é importante analisar este tema que é constantemente trazido à discussão, e que impacta o setor de forma negativa.

Embora o abastecimento fracionado de cilindros de GLP possa parecer uma alternativa atrativa à primeira vista, uma análise mais aprofundada revela preocupações inerentes. Economicamente, tal abordagem não oferece uma vantagem de custo-benefício à sociedade, uma vez que submete o consumidor a riscos associados ao enchimento de recipientes em áreas urbanas, sem benefícios significativos em contrapartida. O modelo, seja no formato de recarga estacionária, onde o consumidor transporta o recipiente até o local de enchimento, ou no modelo de recarga móvel, onde o caminhão se desloca até o consumidor, torna a fiscalização das normas de segurança mais desafiadora e onerosa, incentiva a prática de fraudes, seja na medição ou no enchimento de recipientes de marcas concorrentes, e desestimula os investimentos em segurança, aumentando potencialmente os riscos de acidentes.

Olhando para o Futuro

Ao longo de sua trajetória, a indústria de GLP enfrentou e superou inúmeros debates e desafios, alcançando um patamar de maturidade regulatória admirável. No entanto, frequentemente recaímos em questões anteriormente discutidas e consideradas resolvidas, o que pode estagnar o avanço do setor. Ao direcionar a atenção para temas emergentes, como aprimoramento da infraestrutura de distribuição e importação, construção de novos terminais e modernização das regulamentações, oportunizamos inovações e avanços, medidas fundamentais para atender às demandas crescentes e assegurar um futuro sustentável para a indústria.

Na qualidade de associação representativa, temos o dever de trazer para a discussão as políticas que não estejam em consonância com as melhores práticas do setor. Nosso compromisso é fomentar um ambiente que favoreça o crescimento contínuo, garantindo que a indústria se mantenha atualizada, competitiva e apta a se adaptar às nuances de um mercado global em constante transformação.

Então, o que devemos fazer para que nossos marcos regulatórios permitam que nossa indústria tenha futuro? A resposta não é simples, afinal vimos que este é um tema complexo, mas, baseado naquilo que aprendemos ao longo de nossa história e analisando as experiências positivas e negativas que vivemos, identificamos três oportunidades de melhoria, que são comuns em todos os países de nossa região.

A primeira é que precisamos compreender que qualquer regulamentação com potencial de impacto no mercado e na sociedade deve passar por um amplo processo de estudo. Devemos, no mínimo: identificar as áreas que necessitam de correção ou estímulo; analisar se a regulamentação em discussão está em sintonia com os objetivos estabelecidos; e reduzir eventuais impactos negativos para a sociedade, levando em conta os interesses dos consumidores, do governo e dos produtores. Sem essas definições claras, é imprudente avançar na criação de regulamentações.

A segunda é que um marco regulatório moderno e seguro é fundamental para o desenvolvimento sustentável de qualquer setor econômico, oferecendo previsibilidade e segurança jurídica aos investidores, dois pilares essenciais para atrair investimentos de longo prazo. Nossa infraestrutura está carente de terminais eficientes e modernos que possibilitem a entrada de matéria prima de maneira ágil, segura e econômica. Investir em terminais é investir na capacidade de um país de competir globalmente, diversificando seus parceiros comerciais e reduzindo custos associados à logística.

E a terceira é que tenhamos uma regulação que permita a livre importação de matéria-prima, condição essencial para alcançar um preço genuinamente competitivo no mercado de GLP. Isso porque a formação de preços não se dá apenas no contexto interno, mas também é influenciada por fatores externos, como oferta e demanda internacionais e variações cambiais. Ao possibilitar a liberdade de compra da molécula, a indústria nacional poderá adquirir o GLP a preços mais alinhados com o mercado global, beneficiando-se de condições mais favoráveis e oportunidades que podem surgir em diferentes regiões do mundo.

Acreditamos que, desta maneira, possibilitaremos um promissor futuro para nossa indústria, promovendo crescimento econômico e bem-estar social.

Fabrício Duarte – Diretor Executivo