O gás liquefeito de petróleo (GLP) é uma das principais fontes de energia para milhões de famílias mexicanas. Seu uso se estende aos setores residencial, industrial, comercial, agropecuário e até mesmo ao transporte. No entanto, essa indústria essencial enfrenta uma de suas piores crises, provocada por políticas públicas que, embora visem objetivos de curto prazo — como o controle de preços para os consumidores —, desconsideram a lógica econômica por trás de um mercado de commodities e a complexidade operacional envolvida na distribuição de GLP em um país extenso e desigual como o México.
O papel da AIGLP: promover o diálogo, as boas práticas e a segurança
A Associação Ibero-americana de Gás Liquefeito de Petróleo (AIGLP), que reúne os principais atores do setor na América Latina, atua ativamente no fortalecimento de políticas públicas que garantam um mercado eficiente, competitivo e seguro. Sua missão inclui promover boas práticas, compartilhar experiências regionais bem-sucedidas, fomentar o desenvolvimento do setor e, acima de tudo, assegurar que o consumidor final receba um serviço de qualidade, em condições seguras, confiáveis e sustentáveis.
A discussão atual sobre a situação do GLP no México é relevante e urgente. Trata-se de uma preocupação legítima que vai além dos interesses empresariais, visando defender o direito do usuário final de ter acesso contínuo a uma fonte energética limpa, acessível e segura. A AIGLP acompanha esse caso com atenção devido ao seu potencial impacto regional e reitera seu compromisso de atuar como ponte entre governos, indústria e consumidores.
O impacto do controle de preços: desestímulo ao investimento e fechamento de plantas
Desde 2021, o governo mexicano implementou um esquema de preços máximos para o GLP, baseado em um estudo da Comissão Federal de Concorrência Econômica (COFECE), que apontava a ausência de concorrência efetiva no setor. No entanto, o resultado foi uma rápida compressão das margens comerciais das empresas distribuidoras. Segundo a AMEXGAS, recentemente, a tarifa de distribuição foi reduzida em mais de 50%, levando a margem por litro de gás a níveis que não cobrem sequer os custos operacionais básicos.
Atualmente, as plantas recebem cerca de 2,68 pesos por litro, quando seriam necessários 4,25 pesos para manter a operação com padrões mínimos de qualidade e segurança. Como consequência, cerca de 40 plantas foram fechadas nos últimos meses, especialmente em estados como Jalisco, Veracruz, Puebla e Tamaulipas. Isso resultou na perda direta de milhares de empregos e afetou mais de 135 empresas, que representam 90% da distribuição formal no país.
GLP como commodity: preços que não podem ser controlados unilateralmente
Um dos erros mais graves na formulação da política de preços é assumir que o GLP é um produto cujo valor pode ser fixado internamente por decreto. Na realidade, o GLP é um commodity global, cujo preço é determinado por variáveis internacionais de oferta e demanda, custos logísticos, volatilidade do petróleo, taxas de câmbio e fatores geopolíticos.
Fixar artificialmente um preço abaixo dessas variáveis obriga os agentes do setor a operarem com perdas permanentes. Essa distorção expulsa empresas formais do mercado, reduz investimentos, compromete a manutenção e renovação da infraestrutura e aumenta o risco de desabastecimento e acidentes operacionais.
Externalidades negativas: segurança, informalidade e retrocesso energético
O controle de preços tem gerado efeitos colaterais preocupantes. Primeiro, reduziu a cobertura de distribuição, especialmente em áreas rurais ou de difícil acesso, onde as rotas deixaram de ser economicamente viáveis. Isso implica um retrocesso no acesso a fontes modernas de energia, forçando comunidades a retornarem ao uso da lenha, com impactos negativos à saúde e ao meio ambiente.
Segundo, incentivou o crescimento do mercado ilegal, com quadrilhas envolvidas no roubo e distribuição clandestina de combustíveis — o chamado “huachigas”. Esse fenômeno representa não apenas perdas fiscais, mas também riscos graves à segurança da população.
Terceiro, inviabilizou a modernização da infraestrutura logística. As empresas não conseguem investir em novos botijões, veículos de entrega, equipamentos de medição ou plantas mais eficientes. Isso compromete a segurança operacional no médio prazo, gera gargalos logísticos e limita a introdução de tecnologias mais limpas ou modelos de economia circular no setor.
Custos reais vs. preços políticos: uma equação insustentável
O setor percorre mais de 60 milhões de quilômetros por mês para garantir o abastecimento de GLP em todo o país. Essa operação de grande escala envolve custos elevados com combustível, manutenção de frota, salários, seguros e conformidade regulatória. Quando o preço final está artificialmente distorcido, a equação econômica se rompe.
Segundo princípios econômicos básicos, se o preço de um bem não cobre seus custos marginais e fixos, não há como garantir sua oferta no longo prazo. Além disso, o GLP, por ser um bem inelástico no curto prazo, responde pouco a reduções de preço artificial, mas gera perdas acumuladas significativas para os fornecedores.
A necessidade de um novo modelo: diálogo e política energética sustentável
Após um impasse entre novembro de 2024 e março de 2025, desde o final de março foi possível estabelecer uma mesa de diálogo com a Secretaria de Energia. Essa instância permitiu a retomada do canal institucional e o avanço para uma interação semanal, promovendo um melhor entendimento dos custos da distribuição e criando espaço para a construção conjunta de soluções técnicas que reconheçam o valor do GLP como insumo estratégico nacional.
A solução não está na eliminação completa da regulação, mas sim na criação de um modelo regulatório inteligente, que combine a proteção ao consumidor com a viabilidade operacional do setor. Algumas propostas que podem ser consideradas incluem:
- Estabelecer bandas móveis de preços, ajustadas periodicamente com base em indicadores internacionais;
- Implementar subsídios focalizados para consumidores vulneráveis, em vez de transferências implícitas por meio do controle generalizado de preços;
- Promover esquemas de investimento público-privados para modernizar a infraestrutura logística e tecnológica;
- Reforçar os mecanismos de combate ao “huachigas” e garantir segurança jurídica aos agentes formais.
Conclusão: preservar o GLP como eixo do bem-estar energético
O GLP é mais do que um combustível: é um conector social, uma fonte de emprego e uma base de bem-estar para milhões de lares mexicanos. Preservar seu abastecimento seguro, eficiente e competitivo requer uma política pública baseada em dados, fundamentos econômicos e diálogo.
A AIGLP reitera a necessidade de fortalecer o marco institucional do setor, com visão técnica, transparência e colaboração. É essencial construir um ambiente onde os governos compreendam a lógica do mercado energético, ouçam os atores da indústria e trabalhem por uma transição energética que não deixe para trás aqueles que mais precisam de acesso a uma energia limpa e segura.
Fabrício Duarte
Diretor Executivo