O gás liquefeito de petróleo (GLP) desempenha um papel vital na vida de milhões de famílias na América Latina. É um energético essencial para a cocção de alimentos, calefação e diversas aplicações industriais e comerciais. Sua importância se reflete na qualidade de vida de milhões de famílias, oferecendo uma fonte de energia eficiente, segura e acessível, especialmente em regiões onde outras formas de energia são menos disponíveis ou não podem chegar.

Atender à demanda de milhões de consumidores é um desafio que a indústria enfrenta com compromisso e dedicação. Para garantir um serviço rápido e eficiente, as empresas do setor operam um complexo sistema operacional e logístico, que envolve a produção, armazenamento, transporte e distribuição do GLP de maneira coordenada e eficiente, assegurando que o produto chegue às residências de forma contínua, prestando um serviço de alta qualidade e com total segurança.

Neste contexto, a indústria enfrenta desafios particulares. A volatilidade dos preços, influenciada tanto por fatores internos dos países quanto por dinâmicas globais, como conflitos geopolíticos e flutuações no mercado de petróleo, impõe dificuldades adicionais para sua distribuição e acessibilidade, impactando diretamente a economia doméstica dos consumidores. Dada a grande importância do GLP na cesta de consumo da população, suas implicações sociais mobilizam a atenção da mídia e, por conseguinte, da classe política, fazendo com que a regulação do mercado e as políticas de concorrência sejam constantemente objeto de discussão e análise.

Com esta breve introdução para contextualizar o tema, considero interessante analisar o mercado mexicano a partir de uma matéria publicada no periódico Diário de Yucatán, em 11 de julho de 2024 (referência[i]).

A matéria cita a redução de receitas como justificativa para um resultado operacional nulo (lucro igual a zero) da empresa Gas Bienestar, filial da PEMEX (Petróleos Mexicanos), criada em 2021 com o objetivo de “oferecer GLP às famílias de baixa renda na Cidade do México, reduzindo os altos preços do produto e fortalecendo a concorrência no setor”. Traduzindo a missão da empresa em termos mais simples, trata-se de uma intervenção no mercado mexicano de GLP por parte do Governo Federal, que, na época, considerou conveniente participar diretamente da distribuição de GLP para oferecer preços mais baixos aos consumidores na Cidade do México e competir diretamente com outras empresas que, na percepção do Governo Federal, tinham uma concentração de mercado e supostamente não beneficiavam da livre concorrência. No entanto, na Zona Conurbada composta pela Cidade do México e Estado do México, existem registradas na CRE (Comissão Reguladora de Energia) mais de 100 plantas de distribuição de GLP, 488 estações de serviço e mais de 8.000 veículos de entrega.

A matéria continua com uma entrevista com o coordenador de Energia do Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO), que declarou que a empresa não conseguiu solucionar o problema para o qual foi criada, já que “não se conseguiu injetar maior concorrência nos mercados onde é necessário e agora vemos que cada vez vendem menos volume.”

Como a inserção de um novo participante, buscando a regulação de preços e o aumento da concorrência, não teve o resultado esperado, em outubro de 2022 a Comissão Federal de Concorrência Econômica (COFECE) do México declarou, em um estudo apresentado, que não existia concorrência no mercado de GLP.

Em um mercado onde há mais de 300 empresas envasadoras e distribuidoras de GLP, a afirmação resultou, no mínimo, estranha e foi contestada pela Associação Mexicana de Distribuidores de Gás LP (AMEXGAS), que considerou o estudo “um exercício acadêmico mal fundamentado, que utilizou parâmetros tendenciosos, como se tivessem a missão de dizer que não há concorrência.” A AMEXGAS apresentou também informações oficiais da CRE mostrando que existiam importantes variações de preços de venda a consumidores diferentes e descontos significativos em todos os mercados regionais do país, como evidência de que as empresas estavam fazendo um esforço por competir não só em serviço, oportunidade de abastecimento e qualidade no serviço, mas também em ofertar preços competitivos.

Como resultado prático do estudo, o conselho da COFECE solicitou que a Comissão Reguladora de Energia (CRE) regulasse os preços de venda ao público do GLP. Com isso, a indústria passou a operar em um ambiente de preços controlados, limitando significativamente a capacidade das empresas de recuperar seus custos e competir com melhores preços, reduzindo de forma significativa os investimentos em veículos de entrega, manutenção de instalações e equipamentos, e impossibilitando a manutenção da cobertura geográfica em todas as regiões que requerem este vital produto.

Embora tratado com uma simplicidade indevida, esta discussão sobre a dinâmica de concorrência dos mercados é parte de um problema complexo, e citando o jornalista americano H. L. Mencken, “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.” Assim, o que acabamos de descrever foi um claro exemplo de que as intervenções artificiais no mercado, sob a bandeira da redução do preço do produto, acabam por trazer insegurança, introduzir incertezas e, ao contrário do que se deseja, aumentam o custo, reduzem a qualidade do serviço e a segurança na cadeia, prejudicando justamente quem deve ser protegido: o consumidor final.

Um aspecto fundamental do papel do regulador é entender quando a intervenção é necessária e quando não é. Nem todas as situações exigem ação regulatória. Às vezes, a melhor abordagem é permitir que o mercado siga seu curso. As flutuações de preços, por exemplo, podem ser resultados temporários de condições de mercado e não necessariamente exigem alterações estruturais nas regras de regulação.

Além disso, é importante notar que a desigualdade de renda, que pode dificultar o acesso ao GLP para uma parte significativa da população, não deve ser abordada como um problema inerente à estrutura produtiva do setor de GLP. Essa é uma questão social mais ampla que deve ser tratada mediante políticas públicas.

Finalmente, entendemos que os órgãos reguladores exercem um papel importante na defesa dos interesses da sociedade e devem estar vigilantes para que o mercado se mantenha equilibrado, competitivo e eficiente. No entanto, soluções artificiais desarticulam e precarizam o mercado e, ao final, não entregam o que se propunham, gerando outras intervenções, que acabam em um ciclo vicioso de elevado custo social.

[i] https://www.yucatan.com.mx/mexico/2024/07/11/gas-bienestar-con-bajos-ingresos-su-objetivo-nunca-fue-generar-ganancias-afirman.html