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A lenha está altamente presente na matriz energética do Chile – como podemos entender essa tradição

Em um momento onde a sustentabilidade clama por energia limpa, captura de carbono, meta de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE), entre outros, nem todos os países falam a língua do meio ambiente. Através do estudo “Levantamento de estudos científicos sobre o uso de lenha na América Latina”, da Professora Dra. Adriana Gioda, Coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica (LQA) da PUC-RJ, entenderemos um pouco mais sobre o que faz com que alguns países ainda mantenham a tradição de utilizar combustíveis sólidos em suas residências.

O estudo da pesquisadora destaca que os combustíveis de biomassa sólida, como a lenha, são menos ineficazes para a geração de energia em comparação com combustíveis modernos, como o gás liquefeito de petróleo (GLP) ou a eletricidade e, por isso, necessitam de uma quantidade maior a ser usada. Com isso, aumentam também todas as substâncias que são queimadas no processo de combustão, como muitos poluentes, alguns tóxicos, como monóxido de carbono (CO) e partículas de diferentes tamanhos, que podem causar doenças cardiovasculares e respiratórias. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), provocam cerca de 3,8 milhões de mortes ao ano devido a poluição do ar doméstico, causada por nossas tarefas domésticas.

Dentre os países analisados pela Dra. Gioda e que constituem a América Latina, o Chile é um dos que mais se destacam, principalmente, na quantidade de material publicado sobre essa temática. Além dos danos ambientais, o uso da lenha também causa danos sociais e de saúde. Em sua pesquisa, Gioda se deparou com um estudo realizado por pesquisadores de Universidade do Chile, com outras instituições parceiras, que buscou elucidar se a queima de carvão e lenha estava relacionada com as internações hospitalares e mortalidade no Chile, em 2015 (Paredes et al., 2020). De acordo com os estudiosos, o consumo médio de energia nas residências corresponde a 39,6 % para a queima de lenha, 31,4 % para GLP e 25,7 % para energia elétrica. Muitas cidades chilenas são altamente poluídas com material particulado (MP) devido à combustão da lenha e o clima frio, especialmente nas regiões ao sul.

Este estudo examinou ainda a mortalidade total, respiratória e cardiovascular por idade e sexo, bem como as taxas de hospitalização total e respiratória em 139 municípios no Chile, e a relação desses resultados de saúde com a porcentagem de famílias que usam lenha e carvão para cozinhar e aquecer. Os resultados mostraram que, em média, 16% dos domicílios usavam lenha/carvão para cozinhar, 52% para aquecer o domicílio e 7% para aquecer água. A análise dos dados indicou uma relação entre a combustão residencial de carvão/lenha e hospitalizações e mortes por doenças respiratória, principalmente na região sul do Chile, onde predomina o uso de combustível sólido. No entanto, essa relação não foi encontrada nas demais zonas geográficas do país. Na zona norte, por exemplo, a prevalência de carvão/lenha era baixa, provavelmente devido às condições climáticas mais quentes e, portanto, uma menor demanda por aquecimento doméstico. Estudos prévios da Universidade do Chile estimaram o número de mortes prematuras em, aproximadamente, 4 mil a cada ano.

Já na área social, um outro estudo foi realizado por pesquisadores da Universidad de La Frontera, Chile, para avaliar se a exposição à poluição do ar exterior está associada ao absenteísmo escolar (Hofflinger e Boso,2021). Como já vimos anteriormente, devido ao uso generalizado de lenha como combustível para aquecimento e cocção, a poluição do ar é um problema grave no sul do Chile e as crianças devido ao seu pequeno tamanho, altas taxas metabólicas e sistemas corporais em desenvolvimento, são altamente suscetíveis aos efeitos da poluição do ar.

Neste estudo, consultado pela pesquisadora, foi analisado como as faltas escolares estão associadas à poluição em uma amostra de 5 mil crianças de nove anos matriculadas em 25 escolas em cinco cidades de porte médio no sul do Chile. Os resultados sugerem que, à medida que a poluição do ar piora – aumenta -, os alunos de famílias de renda média e alta também têm probabilidade de faltar às aulas. Isso mostra que o uso da lenha se trata de uma questão cultural e não está apenas relacionada ao nível de renda. Em três das cidades estudadas, as crianças podem ser expostas à poluição do ar em concentrações mais altas do que os padrões internacionais em 85% dos dias durante o outono e inverno. Embora o uso de lenha seja difundido em todos os estratos sociais, a baixa qualidade dos fogões e do isolamento térmico são fatores que contribuem, ainda mais, para que as famílias mais vulneráveis sejam afetadas em maior proporção. (Hofflinger e Boso, 2021).

O país como um todo sofre com o uso desse tipo de combustão. Na área financeira e econômica, os custos estimados com saúde associados à queima de lenha e emissões de material particulado estão entre US$ 270 e US$ 364 milhões/ano.

Os impactos são muitos e em vários setores da economia chilena. Entretanto, o desafio, além da conscientização ambiental, esbarra na tradição cultural, algo muito difícil de se mudar com a rapidez necessária. No entanto, os governantes chilenos já estão se movimentando para que o futuro seja diferente, já que o Chile é um dos países signatários do Compromisso Global de Metano, que prevê um esforço global para reduzir em 30% as emissões de metano até 2030 em relação aos níveis de 2020.