O Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) desempenha um papel crucial no desenvolvimento econômico e social da América Latina. Sua versatilidade, eficiência energética e acessibilidade o tornam uma fonte de energia vital para milhões de famílias, empresas e indústrias. Suas diversas aplicações impactam diretamente a qualidade de vida das populações, especialmente em áreas rurais e periféricas, onde substitui o uso de biomassa para cocção, como lenha e carvão, que são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, além de permitir a geração de energia em locais fora de rede, reduzindo a pegada de carbono.

Ciente da importância e da essencialidade do produto, a indústria de GLP se dedica não apenas a fornecer um serviço de alta qualidade, mas também a garantir a segurança em toda a cadeia produtiva. Baseando-se nessas premissas, o setor busca atender às necessidades do consumidor final da forma mais eficiente possível, proporcionando maior liberdade de escolha, além de ganhos de escala que permitem um preço muito competitivo, quando comparado aos demais energéticos disponíveis. Entretanto, para melhor servir à sociedade, é importante que a regulação econômica do setor proporcione condições para que o mercado tenha segurança jurídica e regulatória para realizar os investimentos necessários para melhorar cada vez mais a qualidade do serviço prestado.

Dentre os modelos regulatórios existentes na América Latina, o brasileiro se destaca por sua virtuosidade, onde os distribuidores autorizados têm a responsabilidade e o incentivo de manter seus cilindros em perfeitas condições, garantindo a qualidade do serviço prestado e a segurança adequada para a sociedade. Essas condições permitiram o crescimento seguro e sustentável do mercado brasileiro de GLP, até seu atual nível de excelência, sendo uma referência para os mercados emergentes ao redor do mundo.

Entretanto, em função da importância do GLP na cesta de consumo da população, suas implicações sociais acabam por mobilizar a atenção da mídia e, por consequência, da classe política, fazendo com que a regulação do mercado e as políticas concorrenciais, embora virtuosas, sejam constantemente objetos de discussão. Sob a bandeira da redução do preço do produto, novas propostas regulatórias acabam por trazer insegurança e, ao contrário do que se deseja, aumento de custo, prejudicando o consumidor final.

Tomemos como exemplo o Projeto de Lei nº 987, de 2022, em análise na Câmara de Deputados, que visa permitir a venda de gás fracionado, com o intuito de baratear o custo do gás e ampliar seu acesso. Existem vários estudos econômicos que comprovam a inviabilidade do modelo de negócio e demonstram que a implementação do sistema de enchimento parcial de cilindros resultaria em um custo mais alto para o consumidor, em função das inúmeras ineficiências logísticas e econômicas, comprometendo não só a qualidade do serviço, mas também a segurança, alicerce fundamental da indústria. Neste último quesito, as empresas investem quantias substanciais, em tecnologia, treinamento e capacitação de pessoal, além de protocolos para prevenir acidentes e garantir a integridade do produto.

Na prática, podemos observar que os países que adotaram este modelo tiveram uma considerável redução na qualidade de seu parque de cilindros, em função do surgimento de operações comerciais de enchimento, sem a preocupação da realização dos procedimentos de manutenção adequados, aumentando o número de cilindros em más condições e, consequentemente, o risco de acidentes, a cada vez que eram recarregados e retornavam às residências dos consumidores. Além disto, neste modelo o sistema de marcas fica comprometido, uma vez que o enchimento independente dos distribuidores autorizados não permite que as empresas responsáveis por suas marcas, estampadas em alto relevo no corpo de cada cilindro, mantenham a integridade de seus ativos, pois deixam de ter controle sobre o seu fluxo. Isso cria uma preocupante situação de insegurança jurídica para o consumidor, em caso de acidente.

Existem no mundo inúmeros exemplos de países como Quênia, Haiti, Namíbia, África do Sul, Tailândia, Gana e Nigéria, que ao implementarem modelos semelhantes aumentaram substancialmente os incidentes de segurança nas operações, ao mesmo tempo que reduziram os investimentos privados no setor. Ou seja, introduziram no mercado vícios de qualidade, quantidade e integridade, que aumentaram o potencial de acidentes, de práticas comerciais inadequadas, e reduziram os necessários investimentos que possibilitam um serviço de qualidade, acarretando, em última instância, uma redução do acesso ao GLP.

Quando analisamos o processo sob a ótica da redução de preços do produto, também temos exemplos que contradizem a teoria. No Paraguai, por exemplo, onde a regulação econômica permite o abastecimento fracionado de cilindros, o valor pago por quilograma de GLP é menor quando se adquire um cilindro cheio, envasado pela distribuidora, do que o valor pago para o abastecer de forma fracionada, em um dos pontos de venda. O que se consegue, na realidade, é uma redução do tíquete médio pago pelo consumidor, mas temos que ter em conta que o produto fica mais caro.

Outro aspecto que devemos observar, em países que adotaram o abastecimento fracionado, foi o aumento do nível de informalidade e ilegalidade, que precarizam o mercado e permitem práticas prejudiciais ao consumidor, com queda na qualidade do serviço prestado, reduzindo a segurança das operações e aumentando o risco para a sociedade. No México, por exemplo, existe um grave problema de roubo de GLP, por meio de acessos não autorizados aos dutos de transporte do produto da PEMEX (Cia de Petróleo Mexicano), prática localmente conhecida como “HUACHICOLEO”. Esse GLP roubado só consegue ser comercializado no mercado por causa do alto nível de informalidade, fruto de uma regulação econômica mais permissiva e da incapacidade de fiscalização, que fica consideravelmente mais cara e complexa neste sistema. Além dos prejuízos para operadores privados e para a PEMEX, os roubos, que chegam a alcançar incríveis 60 mil toneladas métricas por mês, geram prejuízos para o Estado mexicano, uma vez que se deixa de recolher os impostos das vendas deste produto.

Enfim, são vários os argumentos contra a adoção do sistema de abastecimento fracionado de cilindros, com exemplos práticos dos problemas e da disfuncionalidade do modelo. Claro que qualquer modelo vigente de regulação econômica pode e deve ser revisto e, se necessário, alterado, desde que seja para melhorar e não para precarizar o mercado, uma vez que, ao final, o maior prejudicado é o verdadeiro hipossuficiente desta relação: o consumidor final.

Fabrício Duarte – Diretor Executivo da AIGLP