O mercado de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) no Paraguai vive um momento decisivo em sua trajetória. À medida que cresce a demanda por fontes de energia mais limpas, acessíveis e eficientes, surgem também desafios estruturais que comprometem a segurança, a qualidade do serviço e a competitividade do setor. A informalidade, a circulação de botijões sem a devida requalificação e a ausência de mecanismos eficazes de rastreabilidade na cadeia logística figuram entre os principais entraves que ainda caracterizam expressivamente a dinâmica do mercado paraguaio.
Nesse cenário, discutir modelos de regulação não é apenas uma alternativa, mas uma necessidade estratégica. A adoção de sistemas que garantam o controle dos ativos — em especial dos cilindros — tem se mostrado uma medida essencial para assegurar um ambiente de negócios mais seguro, previsível e competitivo. A experiência internacional reforça que, quando bem implementada, a regulação não apenas fortalece o setor, como também proporciona ganhos significativos para os consumidores e para toda a sociedade.
Diferentemente de outros mercados energéticos, o GLP é um produto homogêneo. A composição do gás não varia entre os fornecedores, o que faz com que a principal ferramenta de diferenciação seja a marca do cilindro. Mais do que um elemento de identidade visual, a marca estampada em alto relevo nos recipientes funciona como um verdadeiro selo de responsabilidade e qualidade. Ela simboliza o compromisso da empresa com a segurança dos seus clientes, garante a rastreabilidade de toda a cadeia de suprimentos e assegura que os cilindros estejam devidamente mantidos, inspecionados e dentro dos padrões técnicos exigidos.
Na América Latina podemos encontrar dois modelos distintos, ambos bem-sucedidos dentro de seus respectivos contextos. O modelo denominado “francês”, utilizado na Colômbia, por exemplo, se destaca pelo controle rigoroso dos ativos. Nesse sistema, os cilindros são propriedade das empresas distribuidoras e, para que o consumidor mude de fornecedor, é necessário devolver o cilindro atual e retirar um novo da empresa escolhida. Esse modelo promoveu uma redução drástica na informalidade, além de incentivar investimentos robustos em ativos e tecnologia. A Colômbia investiu aproximadamente 468 milhões de dólares na modernização de um parque de cerca de nove milhões de cilindros, eliminando práticas irregulares e clandestinas e elevando significativamente os padrões de segurança e qualidade do setor.
Por outro lado, o modelo brasileiro adota uma lógica de intercambialidade total, na qual os cilindros pertencem aos consumidores, embora a responsabilidade pela manutenção e integridade permaneça com as distribuidoras. Este sistema permite que o consumidor troque livremente de fornecedor, promovendo uma competição baseada na conveniência e no preço. Esse modelo exige que as empresas adotem mecanismos cooperativos de gestão, onde um sistema de destroca funciona de forma harmônica, permitindo que o consumidor siga usufruindo da liberdade de escolha na hora de comprar uma recarga.
Ambos os modelos apresentam méritos, vantagens e desafios específicos, sendo aplicáveis conforme as características econômicas, estruturais e culturais de cada país. Contudo, há um consenso claro no setor: práticas como o envase de GLP em cilindros de outras empresas comprometem gravemente a rastreabilidade, deterioram os padrões de segurança e enfraquecem a confiança dos consumidores no mercado.
O Paraguai enfrenta hoje um cenário com notáveis semelhanças ao vivido pela Colômbia antes de sua reforma regulatória. O marco legal atual não tem sido capaz de lidar adequadamente com as assimetrias na comercialização do GLP, principalmente no que se refere à recarga de botijões. O resultado é a ineficácia no combate à informalidade, com uma grande quantidade de botijões deteriorados e fora dos padrões de segurança circulando livremente, sem qualquer responsabilidade formal definida — o que aumenta significativamente os riscos para consumidores, trabalhadores do setor e para a sociedade em geral.
Diante desse contexto, a adoção de um modelo regulatório baseado na propriedade dos cilindros pelas distribuidoras, com a devida marcação física dos recipientes, surge como uma solução robusta e eficaz. Esse modelo prevê, como primeira etapa, a classificação e renovação do parque de cilindros. Os cilindros considerados servíveis seriam devidamente marcados, enquanto os fora de norma seriam retirados de circulação e destinados à sucata. Paralelamente, seria necessário um esforço conjunto de investimento na aquisição de novos cilindros e na criação de incentivos para que os consumidores devolvam os recipientes antigos.
Outro pilar fundamental desse processo de transformação está na capacitação ampla e abrangente de todos os agentes envolvidos. Isso inclui a realização de campanhas massivas de informação e conscientização voltadas aos consumidores, além do treinamento técnico de agentes públicos, órgãos de fiscalização e operadores do mercado, de modo a assegurar a correta implementação dos novos procedimentos. Adicionalmente, a criação de estruturas modernas de governança, apoiadas em sistemas digitais de monitoramento e rastreabilidade, garantiria a transparência, o controle e a eficiência na gestão do parque de cilindros e de toda a cadeia de suprimentos.
Naturalmente, os custos associados a essa transformação são significativos, mas absolutamente viáveis e rapidamente amortizáveis diante dos benefícios que se projetam. Tomando como referência a experiência colombiana, o plano de comunicação e capacitação exigiu cerca de 4,5 milhões de dólares em dois anos e meio. A modernização completa do parque de cilindros demandaria algumas dezenas de milhões de dólares, um valor que pode e deve ser compartilhado entre as empresas do setor, consumidores e o governo, sobretudo mediante a criação de instrumentos de apoio e financiamento específicos.
Os benefícios são claros, tangíveis e abrangentes. Para os consumidores, o novo modelo assegura acesso a produtos mais seguros, serviços mais qualificados e a certeza sobre a procedência do GLP adquirido. Para as empresas, representa a eliminação progressiva da concorrência desleal, a valorização da qualidade como diferencial competitivo e a elevação dos padrões operacionais do setor. Já para o governo, o modelo proporciona aumento na arrecadação tributária, redução significativa dos riscos sociais e econômicos decorrentes de acidentes e explosões, além de fortalecer sua capacidade de fiscalização, controle e ordenamento do mercado.
Diante desse panorama, o Paraguai tem hoje uma oportunidade histórica de promover uma transformação estrutural profunda e definitiva em seu mercado de GLP. A adoção de práticas regulatórias baseadas na rastreabilidade dos ativos, na responsabilização direta das distribuidoras e na padronização da marca dos cilindros não é apenas uma tendência observada em mercados internacionais bem-sucedidos, mas sim uma condição necessária e inadiável para garantir a segurança, a eficiência, a competitividade e a sustentabilidade do setor. A experiência internacional demonstra de forma inequívoca que, embora o processo de transição exija planejamento rigoroso, governança sólida e investimentos estruturantes, os benefícios superam amplamente os desafios, promovendo ganhos sociais, econômicos e institucionais que reverberam positivamente em toda a sociedade.
Fabrício Duarte
Diretor Executivo