A recente interdição de um posto de combustíveis na região de Jaén, no Peru, por realizar o envase ilegal de botijões de gás liquefeito de petróleo (GLP), chama atenção para os riscos envolvidos nessa prática clandestina e ilegal. A operação, conduzida pelo Osinergmin com o apoio da Polícia Nacional, resultou na suspensão do Registro do estabelecimento como medida preventiva para evitar futuros riscos. Esse episódio evidencia um problema recorrente em diversos países da América Latina, onde o abastecimento fracionado de cilindros de GLP em locais inadequados representa uma séria ameaça à segurança pública.
O GLP é um combustível altamente inflamável que, em caso de vazamento, pode se expandir rapidamente e gerar explosões quando exposto a uma fonte de calor ou ignição. O abastecimento fracionado em postos de combustíveis e gasocentros, que não possuem a infraestrutura adequada nem profissionais treinados para manusear o produto com segurança, aumenta exponencialmente os riscos de acidentes.
No Peru, a regulamentação vigente, estabelecida pelo Decreto Supremo Nº 019-97-EM, determina que o enchimento de botijões de GLP deve ser realizado exclusivamente em plantas de envase autorizadas, que seguem protocolos rigorosos de segurança para evitar vazamentos e minimizar os perigos inerentes à manipulação do combustível. No entanto, a persistência do abastecimento ilegal indica a necessidade de fiscalização mais efetiva e de campanhas educativas para conscientizar a população sobre os riscos envolvidos.
Como uma associação da indústria, nos preocupa que existam na América Latina algumas iniciativas regulatórias que consideram o abastecimento fracionado de botijões uma possível e disruptiva alternativa para a indústria de GLP. É nosso papel reforçar que nem todas disrupções representam um avanço positivo, especialmente quando não se trata de uma verdadeira inovação, mas sim de uma revisitação a uma prática já condenada por seus riscos à segurança e à qualidade do serviço. O abastecimento fracionado de botijões de GLP tem sido promovido como uma solução inovadora para ampliar o acesso ao gás e reduzir custos para o consumidor. No entanto, essa abordagem apresenta riscos significativos tanto para a segurança quanto para a confiabilidade do serviço. O GLP desempenha um papel essencial no desenvolvimento econômico e social da América Latina, sendo uma fonte de energia acessível e eficiente para milhões de famílias e empresas. A indústria do GLP, ciente de sua importância, investe constantemente em segurança e qualidade para garantir um fornecimento confiável, contínuo e adequado.
Nos países onde o abastecimento fracionado foi adotado, verificou-se uma redução expressiva nos níveis de segurança. Isso ocorre porque o modelo permite o enchimento de cilindros sem o devido controle das distribuidoras autorizadas, comprometendo a manutenção e a integridade dos recipientes. Além disso, ao permitir o abastecimento fracionado, abandona-se a garantia da marca, já que as distribuidoras deixam de ter controle total sobre o processo de enchimento. Como os botijões passam a ser enchidos por diferentes operadores, sem um controle unificado, perde-se a rastreabilidade e a capacidade de responsabilização em caso de falhas ou acidentes. Exemplos de países como Quênia, Haiti, Namíbia, África do Sul, Tailândia, Gana e Nigéria mostram que essa prática resultou na deterioração da infraestrutura do setor, no aumento do número de acidentes, na sua maioria com vítimas fatais, e na redução dos investimentos privados, comprometendo a sustentabilidade do mercado.
A justificativa econômica para o abastecimento fracionado também se mostra frágil. No Paraguai, onde a prática é permitida, o custo por quilograma de GLP é mais alto quando adquirido de forma fracionada em comparação à compra de um botijão cheio diretamente das distribuidoras. Embora o tíquete médio do consumidor seja reduzido, o preço final pago por unidade de gás é maior, tornando a proposta menos vantajosa do que parece. Além disso, o modelo estimula a informalidade e dificulta a fiscalização, aumentando o risco de práticas ilegais, como o roubo de GLP, que no México atinge níveis alarmantes e resulta em prejuízos bilionários para o Estado e para os operadores privados.
Embora o GLP seja um produto seguro, ele apresenta um alto risco de inflamabilidade, o que requer que a indústria adote padrões de segurança rigorosos em todas as fases da cadeia produtiva e de distribuição. O elevado nível de segurança alcançado ao longo dos anos, por meio de uma regulação eficaz e serviços de qualidade, pode, de forma paradoxal, gerar um problema: a falsa percepção de que flexibilizar esses padrões não acarretaria consequências. Esse afrouxamento das normas regulatórias pode colocar em risco a segurança do consumidor, ao subestimar a necessidade de manter regras rígidas para garantir a integridade do setor.
Portanto, é fundamental que qualquer alteração no modelo regulatório do setor seja realizada com base em critérios técnicos sólidos e na experiência internacional. A regulação deve buscar melhorar o mercado, garantindo maior segurança e eficiência, e não precarizá-lo em nome de uma suposta inovação que, na prática, pode trazer mais problemas do que benefícios. O verdadeiro prejudicado por essa prática é o consumidor final, que perde em segurança, qualidade e previsibilidade de preços.
Fabrício Duarte – Diretor Executivo da AIGLP