Especialistas questionam proposta de enchimento fracionado e comercialização de botijões sem marca; Mercado nacional de GLP crescerá 2% ao ano na próxima década
Como o mercado de gás liquefeito de petróleo (GLP) pode se tornar mais competitivo, sem abrir mão de segurança e qualidade e com garantia de suprimento? Esse foi o principal tema do seminário “Desafios e oportunidades no mercado de GLP no Brasil”, promovido pela Petrobras, nesta terça-feira (5/11), em Brasília.
Empresas, associações do setor de gás, representantes de governos da América Latina e órgãos reguladores se reuniram no evento para debater problemas de abastecimento e a garantia de suprimento de GLP, além da legislação adequada para garantir qualidade e segurança ao consumidor. O GLP para uso residencial, chamado de gás de cozinha, é comercializado em botijões de 13 kg e o GLP para uso industrial e comercial é revendido geralmente a granel ou engarrafado em cilindros.
O pano de fundo da discussão são as medidas que estão sendo estudadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis (ANP), com base na Tomada Pública de Contribuições 7/2018. A TPC abrange medidas como o enchimento fracionado de botijões de GLP e a comercialização do produto em recipientes sem marcas. O objetivo da TCP é coletar contribuições e dados sobre os possíveis impactos ao mercado e à sociedade caso essas práticas sejam autorizadas pela ANP.
Carlos da Costa, secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, defendeu a manutenção da marca nos botijões. Para ele, o uso da marca é extremamente importante neste setor para garantir segurança e incentivar novos negócios. Também demonstrou preocupação de que o enchimento fracionado seja uma porta de entrada para práticas ilícitas. “Por um lado, o mercado fracionado pode representar mais concorrência, mas por outro lado pode representar uma redução de barreiras para atividades ilícitas”, afirmou o secretário.
Daniel Rocha, diretor da Accenture, apresentou um benchmark sobre o mercado de GLP envasado na América Latina. O estudo mostra que a qualidade do produto e o estado dos botijões estão diretamente relacionados ao uso de marca nos recipientes. “Quando se tem um parque de botijões que é propriedade de todos e não é de ninguém, naturalmente é gerada uma situação em que não há nenhum incentivo à qualificação. A qualificação fica sob a responsabilidade do consumidor final. E a tendência é que se deteriore a qualidade do botijão”, comentou. Neste sentido, José Tavares de Araujo Jr, professor e secretário de Acompanhamento Econômico entre 2003 e 2004, acrescentou que a visibilidade da marca em cada estado é o instrumento de competição mais relevante para explicar o desempenho das distribuidoras de GLP no Brasil. “Marca é mais importante que economia de escala”, concluiu o professor.
Segundo o levantamento da Accenture, o modelo de mercado de GLP mais eficiente, considerando custo e desempenho, é aquele que funciona sem fracionamento, com uso de marca e em que a envasadora é responsável pela manutenção dos botijões. “É o que melhor gera capacidade percebida pelo consumidor, com custo baixo, mas preservando margens para a indústria, com eficiência na fiscalização”, comentou Rocha, que também defendeu a manutenção da portabilidade dos recipientes para facilitar a troca pelo consumidor final.
A maioria dos participantes questionou a proposta de enchimento fracionado. Sergio Bandeira de Melo, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP- Sindigás, por exemplo, entende que a medida não tem potência para aumentar a competição. “Podemos criar uma situação com possibilidade de fraude e aumentar o custo de fiscalização. É uma solução que aumenta o custo Brasil”, destacou. Para ele, há outras formas de inovar, como o fracionamento de pagamento e a introdução de diferentes tamanhos de recipientes com intercambialidade, por exemplo. Lauro Cotta, consultor da presidência da Petrobras, acrescentou que a inovação deve vir no nível de serviço. “O botijão é igual no Japão, na França e na Inglaterra. No Japão, por exemplo, desde os anos 90, antes do cliente fazer o pedido, um sensor no tanque granel era ligado na empresa, que entregava o produto e faturava tudo automaticamente. Não há demanda do consumidor para o enchimento fracionado”, completou.
Ângela Flores Furtado, presidente do Inmetro, e Coronel Rogério Bernardes Duarte, presidente da Fundabom, alertaram sobre os riscos de segurança para a população caso seja autorizado o enchimento fracionado. “Não há como fiscalizar a venda fracionada de forma a oferecer segurança. O modelo proposto induz à concorrência predatória e à fraude. Hoje é possível ver a presença do Inmetro em diversas fases, o que nos permite dizer que, somando tudo isso, não temos como garantir a segurança na venda fracionada”, alertou Ângela.
No seminário também foram apresentadas lições aprendidas das experiências do México e do Peru. Fernando Cabada, presidente da Associação Peruana de GLP, relatou as consequências da proliferação indiscriminada de agentes sem marcas no botijões e fracionamento. Segundo ele, houve aumento de acidentes em residências e evasão fiscal para o estado, uma vez que cresceu a informalidade. Luís Landeros, presidente do Conselho da Associação Mexicana de GLP, contou os prejuízos acumulados pelo setor de GLP no país com a ausência de requalificação e manutenção dos botijões. “Com um parque de 20 milhões de cilindros com vida útil entre 10 e 15 anos, temos que recomprar entre 1,5 milhão e 2 milhões de cilindros por ano. Estamos fazendo reposição de praticamente 70% dos cilindros”, Segundo ele, apenas as grandes empresas fazem a reposição e os botijões antigos são usados por empresas piratas.
Para aumentar a competição, o secretário Carlos da Costa listou outras iniciativas. “Nós temos uma posição importante para abrir o mercado. Seja abertura internacional, seja o modelo de privatização e de concorrência no refino, seja o fim da política de cotas”. Destacou também a elevação da oferta doméstica de GLP principalmente pelo aumento da produção do novo gás que vem do pré-sal, que é livre em líquidos e muito propício à fabricação de GLP. “Acreditamos que a concorrência, o livre funcionamento dos mercados, com baixos custos de transação, com marca, com muito cuidado com o mecanismo de fracionamento têm um potencial extraordinário para o nosso país”, completou.
Desafios e Oportunidades de abastecimento
Os participantes discutiram também o desafio de fazer a transição de um mercado onde a Petrobras responde por 99% da oferta de GLP no Brasil para um mercado aberto, com novos agentes, porém com deficiências na infraestrutura de armazenagem e logística e perspectivas de crescimento do consumo.
Para a diretora de Refino e Gás Natural da Petrobras, Anelise Lara, a questão da garantia do suprimento vai ser uma agenda importante principalmente para os dois próximos anos, 2020-2021. “Estamos passando por um momento muito relevante na indústria de óleo e gás aqui no Brasil. A Petrobras vai vender parte do seu parque de refino e vamos nos concentrar naquilo que pode agregar mais valor que é a exploração e produção de grandes campos de petróleo em águas profundas, principalmente no pré-sal. Acreditamos que o mercado brasileiro já está maduro suficiente para que essa responsabilidade pelo abastecimento de GLP seja dividida com outros atores”, comentou Anelise.
Renata Isfer, secretária de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, mostrou que a previsão é que o consumo de GLP crescerá 2,1% por ano nos próximos 10 anos. Atualmente 80% do consumo de GLP do País está nas residências e são comercializados 406 milhões de botijões por ano. Para Renata, a Resolução que põe fim à prática de preços diferenciados de GLP, este ano, proporciona um cenário que vai trazer mais competição na oferta.
Para preparar o país, o diretor da ANP, Felipe Cury, garantiu que a Agência está discutindo um plano para a transição a caminho no mercado de GLP. Segundo ele, “agora o desafio é como fazer o mercado funcionar de forma organizada com atores de olho no retorno do investimento. Se criarmos as condições para a competição, ela vem e trará impactos para serviços que virão para o consumidor”.
Do ponto de vista dos gargalos de abastecimento, o gerente executivo de Marketing e Comercialização da Petrobras, Claudio Mastella, apresentou questões críticas do mercado que precisam ser tratadas e equalizadas com vistas à manutenção de seu funcionamento com a saída da Petrobras do papel de provedor do mercado. Ele lembrou que somente dois portos estão aptos a receber GLP importado para suprir um país de dimensões continentais. “Ha baixa capacidade de armazenagem e necessidade de articulação desses novos atores para essa transformação. O mercado se acomodou a não se preocupar de onde vem o GLP. É um desafio, mas também uma oportunidade. Ter preço alinhado com mercado internacional é imprescindível”, afirmou Mastella.
O seminário foi mediado por Lauro Cotta, consultor da presidência da Petrobras com ampla experiência no setor de GLP, e contou com a presença do Almirante Eduardo Leal Ferreira , presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Participaram também Adrian Calcaneo, diretor da IHS para America Latina e Caribe; Claudio Evangelista de Carvalho, subsecretario de Competitividade e Melhorias Regulatórias do Ministério da Economia; Bolívar Moura Rocha, secretário de Acompanhamento Econômico entre 1996 e 1998; Aurélio Amaral, diretor da ANP; Pietro Mendes, assessor da Diretoria-geral da ANP; e Geraldo Magela, diretor da Liquigás.
Sobre a Tomada Pública de Contribuições da ANP
A Tomada Pública de Contribuições 7/2018, da ANP, é uma consulta prévia aos agentes antes de qualquer alteração na regulação do mercado. O objetivo é convidar os atores relevantes a contribuir para melhorar a qualidade da análise que orientará a decisão da ANP. Após esse processo de análise, a minuta de resolução ainda é colocada para consulta pública.
Fonte: https://www.agenciapetrobras.com.br/Materia/ExibirMateria?p_materia=981369