Os anos de 2020 e 2021 foram desafiantes para o GLP. Ao longo de 2020, a demanda de GLP em embalagens de até 13kg subiu 5,07% em relação a 2019, resultado do isolamento social e do aumento do consumo doméstico em detrimento do uso comercial e industrial, que caiu 2,30% na mesma base de comparação.

As empresas distribuidoras e as revendas conseguiram responder ao aumento de demanda sem grandes dificuldades, apesar do sobressalto no início de março de 2020. Nessa ocasião, coincidiu a queda da carga das refinarias com uma obra em importante duto que liga o Porto de Santos a Capuava, deixando-o fora de operação. Mesmo com esses obstáculos, houve um grande esforço conjunto que possibilitou o abastecimento dos mercados, sem que fosse registrada falta de produto.

Ao longo de 2021, vimos um incremento nas vendas de GLP para os setores comercial e industrial. O consumo subiu 7,45% em relação a 2020, o que mostra uma recuperação econômica significativa, embora ainda haja muito a ser recuperado. Em contrapartida, a queda do consumo de GLP em embalagens de até 13kg chama a atenção: 4,18%, comparando-se as vendas de 2021 com as de 2020.

A queda nas vendas de 2021 pode ter significados variados. Muitos estudos vêm sendo realizados para que as razões possam ser compreendidas. A primeira possibilidade é a redução do isolamento social e a consequente queda do consumo doméstico. Temos ainda que considerar a concessão do Auxílio Emergencial, responsável pela injeção de R$ 293 bilhões em parcelas de R$ 600,00 para um número jamais visto de beneficiários. Esses recursos certamente tiveram impacto sobre a demanda de gêneros de primeira necessidade, entre eles o GLP. Ainda é preciso calcular o quanto o preço, que ao longo da pandemia teve alta superior a 46%, pode ter afetado a inelasticidade da demanda.

Para o ano de 2022, existem muitas dúvidas sobre a demanda e pode-se esperar que o GLP tenha um crescimento tímido sobre o ano de 2021. As perspectivas giram em torno de 0,5% a 1,0%, visto que o auxílio emergencial inexiste, as pressões sobre o preço seguem firmes e a atividade econômica, no Brasil, aponta para lenta recuperação, tendo como base o ano de 2021. Será, sem dúvida, mais um ano desafiador.

Em outros aspectos, 2022 mostra-se alvissareiro para o setor. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) finalmente incluiu em sua agenda regulatória a necessidade de analisar as anacrônicas restrições ao uso do GLP. Essas datam de 1978 e já não encontram razão para existir. No ano de 1991, foi publicada a Lei 8.176, que define como crime de ordem econômica o uso de GLP para algumas finalidades, entre as quais saunas/piscinas, caldeiras e motores a explosão, exceto empilhadeiras. A lei é publicada em momento de crise internacional, quando o Brasil tinha uma produção mais reduzida de petróleo, com grande dependência do mercado externo, e, adicionalmente, o governo subsidiava agressivamente o GLP.

A proposta da lei era desestimular o consumo e evitar que o GLP pudesse competir com outros combustíveis que não eram tão subsidiados como o energético. Podemos concluir que existia – e ainda persiste – uma série de preconceitos sobre o GLP, pois permanece o entendimento de que o produto é importado, caro, destinado à população menos favorecida e altamente subsidiado.

É importante notar que o GLP vai muito além da cozinha. No mundo todo, seu consumo se expande em diversas oportunidades, principalmente substituindo energia elétrica e outros combustíveis em processos térmicos. Pode, ainda, colaborar para significativas reduções das emissões de carbono, enxofre e outros poluentes quando substituindo óleos combustíveis, coque e carvões. É um gás muito competitivo e de facílima utilização. Ainda vemos um largo desenvolvimento para seu uso automotivo. Isso se deve em especial pela redução de emissões pelo produto quando comparado à gasolina e ao diesel.

Ano a ano, vemos, no Brasil, o GLP ampliando seu uso em atividades do agronegócio, como nos setores industrial e comercial. São diversas as oportunidades. Se voltarmos para o mercado doméstico, ainda temos, no Brasil, um amplo espaço para o GLP avançar, pois somos uma pátria de chuveiros elétricos e já está comprovadíssimo que o GLP pode substituir o chuveiro elétrico com enorme eficiência.

No ano de 2010, o Inmetro lançou o selo de eficiência energética em edificações residenciais. Com essa iniciativa, ficou claro que somente com o uso de gases combustíveis o edifício residencial pode obter as classificações A ou B de eficiência energética. Vale ressaltar que os atuais aquecedores de água a gás dispensam a pressurização e, portanto, não gastam mais água que os chuveiros elétricos para atingir a temperatura ideal do banho, o que reafirma a vantagem do uso do GLP em comparação à energia elétrica para aquecimento de água.

 

 

 

Em nossa cartilha Número 7, “Banho a gás: mais conforto e menor custo”, é possível conferir em detalhes os benefícios do GLP para o aquecimento de água.

https://www.sindigas.org.br/Download/Arquivo/Cartilha_VII_635297251020348299.pdf

 

Há, ainda, estudos que indicam que a infraestrutura relativa ao aquecimento a GLP apresenta custos inferiores frente ao aquecimento elétrico equivalente. Quanto maior a potência demandada pelos sistemas elétricos, maior a vantagem relativa (em termos de custo de infraestrutura) do aquecedor de passagem a GLP. É, portanto, enorme a vantagem econômica do energético na comparação com a instalação de chuveiros elétricos, tanto para construtores quanto para os compradores de imóvel.

De acordo com a tarifa elétrica e o preço do GLP praticados, o sistema de aquecimento de água para banho a GLP tende a ser uma opção mais vantajosa em termos de custo de operação. Exemplos estudados revelam que, se o preço do GLP (em kg) for de até aproximadamente 10 vezes maior que o preço da energia elétrica (em kWh), o GLP é mais econômico que a eletricidade, para os mesmos volumes e gradiente de temperatura de água quente.

    • Banho de 60 litros de água, com duração de 10 minutos. Os cálculos foram feitos com base em valores da semana de 13 a 19/02/2022, das concessionárias de energia elétrica e da ANP.
    • Os valores do GLP e da energia elétrica estão com impostos incluídos (PIS, COFINS e ICMS)

São muitas as oportunidades para o GLP. No Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031, pode-se ver que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta autossuficiência para o energético já no ano de 2028, e isto deve-se ao fato de que a oferta do produto oriundo de Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs) deve saltar dos atuais 24% para 57% da produção nacional. A produção de GLP pelas refinarias perderá sua hegemonia, e o Brasil tende a se igualar ao cenário internacional, no qual os percentuais são de 64% de produção via UPGNs e 36% via refino.

Com essa autossuficiência, cai o último mito repetido à exaustão, o de que o GLP é importado. Sim, hoje, dependemos de 25% a 30% de importação, mas o aumento na oferta nos colocará como exportadores muito em breve. A EPE projeta, ainda, para os próximos anos, um crescimento anual de 1,4% na demanda nacional. Esse cenário é, em grande parte, desenhado com base na redução do consumo de lenha na matriz energética e no avanço do GLP sobre outros energéticos face ao aumento de sua oferta no mercado local.

Estamos, portanto, em um momento de grande inflexão. As resoluções devem se antecipar a essa realidade.

Outros usos

É notória a existência de lobbies de setores preocupados com uma eventual expansão do GLP para uso em automóveis. Entretanto, não vemos o autogás como uma oportunidade relevante no Brasil. O autogás desenvolveu-se em mercados onde não existia presença importante de biocombustíveis, tendo o GLP se apresentado como uma resposta eficiente diante da necessidade de redução de emissões. No Brasil, temos provavelmente o mais avançado programa de renováveis nos transportes, os carros flex e uma rede já estabelecida de GNV. Claro que é importante pensar na possibilidade de uso do GLP para veículos off road, em especial para uso no campo, onde o GLP pode representar uma solução eficiente e de custo competitivo.

Assim, acreditamos que o GLP tem muitos outros setores e oportunidades para avançar. Na geração de energia, o GLP pode ser usado para suprir as necessidades de áreas remotas e, sobretudo, em sistemas de back-up, como todo o resto do mundo já o faz. Embora a matriz energética brasileira seja limpa, com alto percentual de fontes renováveis, ainda é extremamente dependente de chuvas, o que a deixa vulnerável. O GLP poderia perfeitamente aliviar a escassez no setor elétrico, desempenhando um papel importante em situações emergenciais, em sistemas back-up de geração própria. Diminuiria pressões sobre as linhas de transmissão e distribuição, especialmente por ser um combustível eficiente, limpo e de alta capilaridade, visto que está presente em 100% dos municípios brasileiros. Entretanto, ainda estamos limitados por restrições ao uso que miram os motores a explosão.

Vale ressaltar que o setor não pleiteia qualquer tipo de subsídio. Assim, o GLP, sendo liberalizado para os usos ainda restritos, teria que competir de igual para igual com outras soluções, representando um ganho para o consumidor, que passaria a ter mais um produto em sua cesta de opções.

Acesso ao GLP

Esperamos que o debate sobre o preço do GLP arrefeça. É importante entender que o GLP é uma commodity e, como tal, seu preço flutua. Não faz sentido criar mecanismos artificiais e custosos para toda a sociedade, visando resistir a essas flutuações. Mecanismos de subsídio generalizados inibem investimentos em infraestrutura, ameaçam a segurança do abastecimento, além de terem um custo fiscal elevado e baixa potência para solucionar o problema de acesso ao produto pelas classes desfavorecidas. Ressalte-se que o GLP assiste a todas as classes sociais e, por esse motivo, subsídios generalizados alcançam os consumidores indiscriminadamente e, dessa forma, representam desperdício de recursos públicos.

Ao fim de 2021, o Governo Federal, em sintonia com o Congresso Nacional, aprovou e iniciou o programa Auxílio Gás. Acreditamos que é preciso existir três pilares para um programa bem-sucedido.

O primeiro deles é o combate ao uso da lenha, uma vez que as fortes limitações de renda de parcela significativa da população têm aumentado a participação desse recurso na matriz energética residencial brasileira. O segundo é a focalização nos beneficiários, de forma a usar a capacidade fiscal exclusivamente com a parcela que, de fato, necessita de assistência. Por fim, a criação de mecanismo que permita a destinação do recurso unicamente para a compra do gás, de forma a evitar seu desvio para outros fins. Em nosso entendimento, esse tipo de iniciativa é um bom caminho para combater a pobreza energética, embora tenha suas imperfeições.

Diante do exposto, apesar das situações desafiadoras trazidas pela pandemia de Covid-19, que ainda vivenciamos, há motivos para enxergar em 2022 possibilidades de avanços significativos. Acreditamos que o fim das restrições de uso e o programa de desinvestimentos da Petrobras são algumas das mudanças de cenário que podem dinamizar ainda mais o setor de GLP, trazendo novos investimentos e soluções na área de infraestrutura para garantir uma continuidade segura do abastecimento nacional. No mais, a continuidade do reaquecimento da atividade econômica também aponta para um futuro mais promissor para o consumo de GLP.

Este artigo é parte integrante do Anuário Cenário e Gás, da Revista Brasil Energia, que pode ser adquirido no link

Fonte: https://cenariosgas.editorabrasilenergia.com.br/novos-desafios-e-perspectivas-promissoras/