Gasco e futuro do projeto de GLP do governo: “Temos confiança que de alguma forma podemos influenciar, pois são elementos técnicos e concretos.”

Críticos, mas dispostos a argumentar sua posição, é assim que se encontram na Gasco em relação ao projeto de lei sobre gás liquefeito de petróleo (GLP) apresentado pelo governo na segunda-feira, que considera as recomendações da Procuradoria Nacional Econômica para este mercado.

O gerente de negócios de GLP da Gasco, Fernando Ledesma, expressa sua preocupação sobre o que acontecerá com as pequenas e médias empresas que estão por trás dos distribuidores menores e que o projeto representa um “retrocesso a um mercado que era muito precário e bastante informal”.

“Sem dúvida, é um retrocesso e, como tem sido dito não apenas por nós, mas por muitos especialistas, sejam acadêmicos, advogados, economistas, não há garantia de que os preços vão baixar; não há certeza de que os preços vão cair e garanto que o nível de serviço vai diminuir, assim como a cobertura e a segurança”, destaca o executivo. Enquanto isso, ele complementa que novos competidores têm surgido ao longo do tempo. “Se o negócio fosse tão bom, por que eles saíram? Porque não é um negócio tão atraente, não tem a rentabilidade que muitos pensam”.

– Com o projeto em mãos, quais são os pontos mais críticos?

– Acredito que o principal problema deste relatório é que se baseia em um estudo da Procuradoria que fala sobre margens brutas – que é a diferença entre receita e custo da matéria-prima – e não leva em consideração os custos associados. Não posso concluir com base apenas nas margens como foram apresentadas. É preciso considerar todos os custos e entender a rentabilidade do negócio para ver se existe ou não essa competitividade. E os relatórios que temos, feitos por acadêmicos renomados, indicam que, com base em nossos números, a indústria e a Gasco competem intensamente, pois nossa rentabilidade não ultrapassa 8%. E um estudo semelhante da Comissão Nacional de Energia, encomendado no final de 2022, conclui que o lucro da indústria antes dos impostos é de cerca de 7,6%. São estudos diferentes, mas não posso ignorar que o lucro ou a rentabilidade da empresa é inferior a 10%. Então, onde está essa redução de preço que se busca?

O segundo ponto tem a ver com o fato de não poder afirmar que o preço vai cair se não conheço como funciona toda a cadeia: atacadistas e varejistas. Passados cerca de 18 meses, ainda não há um estudo que entenda como esse varejista opera. Uma preocupação com a desintegração do canal atacadista com o varejista é sobre as milhares de PMEs envolvidas nesse negócio. O papel do atacadista não foi valorizado e, neste caso, da Gasco, no papel que desempenhamos com este varejista, em treiná-lo, formalizá-lo, fornecer apoio financeiro, crédito, infraestrutura como caminhões, em alguns casos locais, ampliando os meios de pagamento, tecnologia. Existe um papel. Se você os deixar sozinhos, muitas dessas PMEs, pequenas empresas familiares, não poderão se desenvolver ou até mesmo existir. Desempenhamos um papel no desenvolvimento formal desta indústria. O que está sendo proposto aqui é voltar 20 anos no tempo. O que caracterizava o mercado 20 anos atrás? Uma precariedade no nível do varejista e também uma informalidade.

– E se considerarmos o projeto do governo anterior, que foi retirado, o atual é pior?

– Mais do que se é pior ou não, este inclui pelo menos dois elementos adicionais. Um é a rastreabilidade dos cilindros, que também mostra que eles não entendem como os varejistas operam, porque uma de suas cláusulas estabelece que o varejista tem que declarar. O varejista é uma PME que atualmente apenas declara o preço na plataforma de gás online. Então, como ele vai declarar essa informação? E o outro é a plataforma de Open Access que também nos exige disponibilizar nossas instalações para o enchimento de outros. No processo atual, somos responsáveis por todo o processo. Desde a entrada do cilindro, inspecionamos se funciona, se opera, verificamos a vedação, a válvula, enchemos, embalamos e entregamos ao distribuidor. Amanhã, pode chegar um cilindro que não é meu, que não sei quais são as condições do vedante, que precisa de inspeção. Isso ainda requer mais considerações, principalmente devido à limitação da responsabilidade e segurança envolvida.

– O que lhes permite afirmar que o preço final com este projeto não vai cair ou se manter, mas só tem tendência a subir?

– Conhecemos como funciona a “última milha” ou neste caso o distribuidor varejista. Sabemos todos os custos que eles enfrentam, sabemos como lidam com eles e não tenho certeza de que isso resultará em uma redução de preços. Como eles vão lidar com a infraestrutura, aluguel de local, conseguir um caminhão, capital de giro, crédito? Existem muitos elementos que sugerem que o preço realmente não vai cair. Garanto isso.

– E qual seria aproximadamente o parâmetro? Seria um preço muito alto?

– Não, mas hoje também temos um papel de atacadista. Temos cobertura em áreas remotas. Depois, não terei responsabilidade nessa área remota. Esse varejista será quem determinará o preço livremente e, se quiser cobrar mais ou menos, é responsabilidade dele. Não tenho nenhuma responsabilidade. Tudo o que digo é com base nos custos desse varejista, que não foram considerados, não parece óbvio que vai cair. Pelo contrário, terá que subir.

– Estão pensando em encomendar um estudo que lhes permita apresentar números concretos ao Congresso? Isso, considerando que lhes perguntarão por que têm tanta certeza de que os preços aumentarão com este projeto…

– Sempre fornecemos informações, neste caso à Procuradoria, que são consideradas informações comerciais sensíveis e não podem ser divulgadas, mas sempre fornecemos informações valiosas e esperamos fazer isso novamente, desde o aspecto legal até estudos econômicos que demonstrem o que estamos dizendo. Há um ponto relevante, algo muito semelhante aconteceu em outro país, particularmente no Brasil. Quebrar as marcas, desintegrar as cadeias, e não funcionou porque a marca tem valor para o consumidor. E esse projeto no Brasil não deu em nada.

– Em relação aos números que sustentam o aumento do preço com este projeto, vocês forneceram essas informações à Procuradoria, mas foram mantidas confidenciais devido à natureza comercial sensível das informações, ou esse cálculo específico não foi realizado?

– O estudo da Procuradoria basicamente examinou a indústria até o atacadista. Não conseguiu incorporar o varejista devido à sua natureza, são PMEs. Então, entender esse mercado provavelmente exigiria um esforço muito grande ou um esforço adicional. De alguma forma, temos essa informação, mas com conhecimento especializado, sabemos, em essência, quanto custa alugar um armazém, quanto um dono de armazém paga, quanto paga a um motorista, quantos quilômetros um caminhão percorre, quanto de petróleo consome, as manutenções que faz no caminhão.

– Por que não forneceram essa informação à Procuradoria naquela época para apoiar esta posição?

– Porque a Procuradoria pede informações oficiais, tem que ser válidas. O que temos é porque estamos na indústria há 160 anos, então sabemos como funciona, mas além disso, é uma informação de terceiros, não é minha. Então eu sei, eu sei, mas a Procuradoria não sabe e exigiria um esforço adicional muito grande.

– Sobre os prazos propostos no projeto para a mudança de regime e quanto tempo levaria esta desintegração. Pode ser feito dentro de um ano, como proposto?

– Pensar em implementar esta lei agora é meio difícil para nós. Ou seja, ainda estamos analisando e querendo fazer parte da conversa. Eu acho que não poderia dizer se são adequados ou não…

– Mas um ano é um período relativamente curto para tudo que isso implica, de acordo com o que descrevem?

– É complexo (…) Vou dar um exemplo. Como Gasco, para garantir a cobertura e o serviço no Chile, disponibilizamos cerca de 20% dos locais dos distribuidores varejistas, ou são nossos ou são alugados por nós para serem utilizados por esses varejistas. A lei de alguma forma não permite que façamos isso. Vou poder resolver isso porque tenho que encerrar esse relacionamento, tenho que dar outro uso a esse local ou vendê-lo. Eu o convidaria a perguntar ao varejista se ele considera que 12 meses é muito ou pouco depois de cortar o vínculo entre ambos para que ele encontre um novo local, venda, cumpra com as licenças, tenha as patentes e, em muitos casos, more no mesmo local porque é uma PME. E aí você tem um exemplo concreto de que os custos vão subir.

– Em termos gerais, quais são os possíveis impactos que estão identificando ou como o negócio mudaria para vocês se este projeto for aplicado como está?

– A questão é muito boa e relevante, porque para nós, na Gasco, 95% das nossas vendas são através de distribuidores varejistas. Somente 5% é de forma direta. Continuaremos vendendo. Isso vai acontecer e será assim. E como nos adaptamos ao longo dos 160 anos, desta vez teremos que nos adaptar novamente. Por exemplo, o que mencionei sobre os locais. Teremos que redefinir o que fazer com tudo isso. De alguma forma, isso implica mudar o modelo de negócios, onde atualmente estamos integrados e, novamente, fornecemos apoio, suporte, tecnologia, apoio financeiro, infraestrutura local em caminhões…

– E haverá uma perda nisso?

– Não posso falar sobre uma perda porque ainda temos muito tempo para discutir e encontrar como adaptar o modelo de negócios (…) A Gasco é uma empresa diversificada e, neste negócio em particular, continuaremos vendendo gás e vendendo de uma maneira diferente. Agora, as pessoas que estão legislando teriam que escolher se querem um sistema muito precário e informal ou algo que ofereça segurança, serviço e que de alguma forma tenha uma garantia de um preço conveniente.

Temos que reorganizar o modelo de negócios, mas esse é um desafio constante. Estamos sempre inovando, sempre buscando e encontrando a melhor maneira de atender nossos clientes. Sempre fizemos isso, continuaremos a fazer. Esta é uma parte da evolução ou inovação da empresa. Infelizmente, este processo, este projeto, é uma regressão e não uma progressão. E se for bem-sucedido, teremos que ver como nos adaptar, mas estamos convencidos de que não é benéfico.

– Se este projeto for aprovado praticamente como está, sem maiores ajustes nos aspectos mais relevantes, já consideraram levar este projeto a instâncias internacionais ou de livre competição?

– Este ainda está no início, está começando. Ainda há muito a conversar, discutir e informar. Não poderia responder a essa pergunta agora.

– Mas é uma possibilidade pelo menos…

– Acho que é distante, muito distante, mas não posso responder a essa pergunta. Acreditamos que podemos influenciar neste projeto de lei, porque são elementos técnicos e concretos. E recentemente, desde que o projeto de lei foi apresentado, algumas vozes independentes já estão dizendo o mesmo que nós. Nada garante que os preços vão baixar. É curioso então que diferentes pessoas, todas muito instruídas, já estejam colocando na mesa que o preço não vai baixar. Advogados, economistas, acadêmicos. Acredito que também haverá pessoas que quererão de alguma forma ser membros de uma comissão para colaborar e fornecer informações.

– É possível reverter a desintegração que é o ponto central deste projeto?

– Para nós, é o ponto central. Quanto a revertê-lo ou não, teremos que ver como está o ambiente nas câmaras, nas comissões, e tudo o que pedimos é que sejamos convidados para uma conversa inclusiva e imparcial, porque até agora ninguém muda a premissa ou o preconceito de que a Procuradoria disse que nossa margem era de 50% quando tem um relatório na outra mão dizendo que o lucro antes dos impostos era de 7,6%. Participamos de boa fé neste processo. Só pedimos para participar de forma inclusiva e positiva nas mesas de discussão, temos muito a contribuir.

– Você foi enfático ao dizer que o piloto da ENAP mostrou erros no relatório da Procuradoria. Qual é a reflexão final ao olhar o que aconteceu com o piloto e o atual projeto de lei?

– A principal conclusão é que o negócio, e em particular a logística, é complexo, não é simples. Esse é o ponto principal. Este negócio não é tão fácil quanto parecia. É um negócio trabalhoso. O relevante para o caso da ENAP ou outro, é que uma coisa é o produto e outra é o serviço. As pessoas pedem gás quando estão tomando banho e o gás acaba (…) É um produto que é entregue na maioria das vezes em menos de 30-45 minutos. E isso tem valor e também não foi considerado. Agora, se eu me aprofundar um pouco mais, sabíamos o que aconteceria com a ENAP, sabíamos. Não vou me pronunciar muito sobre o que fizeram, mas posso dizer que no México, alguns meses antes, foi proposta a mesma solução que aqui no Chile com a Pemex. Lá chamava-se Gas Bienestar e aqui Gas de Chile, e esse Gas Bienestar não atendeu às expectativas de preço, teve vários problemas de serviço, não estava disponível em todos os lugares e ocasionalmente alguns problemas de segurança.

Fonte: DF