O Paraguai é o único país entre as nações da América Latina que adota o enchimento fracionado de botijões de GLP de pequeno porte, voltados aos consumidores residenciais. Todos os outros países latino americanos, incluindo o Brasil, não permitem o enchimento parcial por questões de segurança.

A proposta de enchimento parcial está sendo estudada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) como forma de dar mais flexibilidade aos consumidores brasileiros — estudos incluem a possibilidade de enchimento de botijões de outras marcas e outras medidas para reduzir restrições regulatórias.

No Paraguai, há também uma modalidade de distribuição por caminhões que servem como estações de enchimento. A prática chegou a ser suspensa no fim de 2018, por decisão do governo do país, que considerou a solução muito arriscada.

De acordo com dados do Ministério da Indústria e Comércio (MIC) paraguaio, não foram feitas vendas de GLP por esses caminhões entre janeiro e março deste ano.

Além do Paraguai, países africanos como Gana e Nigéria também permitem o modelo de enchimento parcial na comercialização do GLP em botijões de pequeno porte.

Em Gana está ocorrendo uma discussão similar a do Brasil, mas com o sinal trocado. A National Petroleum Authority (NPA), agência regulatória do país, está em campanha para implantar um modelo de troca de botijões e logística reversa, em que os consumidores substituem vasilhames vazios por cheios — similar ao brasileiro. E restringir o uso das estações de enchimento.

A NPA está, inclusive, divulgando que estações de enchimento têm alto risco de acidente. A mudança na regulação enfrenta resistência da associação local de empresas de GLP, que operam as estações e acusam a NPA de querer modificar o mercado para beneficiar multinacionais estrangeiras.

No Brasil, a segurança da operação é um dos argumentos do Sindigás, associação das distribuidoras que é contrária  à liberação da venda fracionada. O mercado brasileiro é considerado seguro, com um índice de 0,46 acidentes por milhão de botijões de 13 kg (.pdf) envasados em 2017, de acordo com o Sindigás.

EUA restringem uso de GLP em botijões nas residências
País constantemente usado como referência entre os apoiadores da proposta de enchimento parcial dos botijões, o Estados Unidos praticam uma legislação distinta, onde o uso do botijão dentro de casa é proibido e o enchimento fracionado é feito em locais predeterminados.

Diretor da World LPG Association, David Tyler afirma que embora o enchimento fracionado não seja proibido nos EUA, a prática não é comum.

“O enchimento parcial não é identificado como um problema de segurança nos Estados Unidos, enquanto o enchimento excessivo é uma preocupação importante”, diz.

A compra do GLP é feita em locais específicos, semelhantes a um posto de gasolina, e respeitando exigências de segurança. A cada enchimento, um profissional é responsável pela avaliação das condições aparentes do vasilhame, bem como pela fiscalização da data de requalificação do vasilhame.

As aplicações mais usuais do GLP em botijões também são bastante distintas da utilização mais corriqueira no Brasil. Enquanto aqui 75% do consumo do insumo é para uso doméstico, nos Estados Unidos não é comum o uso de cilindros de GLP em casa por questões de segurança.

“Cilindros de GLP não são geralmente permitidos em ambientes internos nos EUA. Há algumas exceções a isso (como uso emergencial). A indústria de GLP nos EUA sempre entendeu que manter cilindros [em uso] interno é uma questão de segurança importante. O uso em ambientes internos, sem dúvida, exigiria legislação mais rigorosa”, comenta Tyler.

Mudanças na regulação do GLP em estudo

  • Revogação da resolução CNPE 04/2005
    Acabar com a política de preços diferentes para os mercados residenciais e outros usos (industriais, comerciais etc.). Equipe econômica vê pouca eficiência no atendimento aos mais pobres.
  • Enchimento fracionado
    Regular a possibilidade de compra de GLP por peso ou volume e autorização para postos ou estações de enchimento. Hoje, consumidor fica restrito a compra do botijão cheio ou troca do vazio por um cheio.
  • Enchimento de outras marcas
    A regulação impede que um botijão de uma distribuidora seja retornado e enchido por outra. Há necessidade de os botijões retornarem a uma distribuidora mesmo que tenha sido recolhido por outra. Estuda-se acabar com a restrição, como estimulo à concorrência na distribuição.

Brasil é referência no mercado GLP entre países ibero-americanos
De acordo com o presidente da Associação Iberoamericana de Gás Liquefeito de Petróleo (AIGLP), Ricardo Tonietto, o mercado brasileiro de GLP hoje é exemplo para outros países da América Latina que buscam aperfeiçoar a regulação para o uso do gás envasado. Segundo ele, “o Paraguai não é um exemplo que o Brasil deveria seguir”.

“Somos consultados por outros países sobre o caso brasileiro. O Peru está em um processo de melhoria do setor e coloca o mercado brasileiro como exemplo, o mercado colombiano se inspirou no mercado europeu, que não permite a portabilidade do botijão, e hoje busca mudanças para trabalhar com o modelo brasileiro”, afirma.

O caso brasileiro é uma referência graças à portabilidade do botijão, que garante a troca de um cilindro vazio por outro cheio mesmo que a peça seja de outra marca. Em um exemplo bem-sucedido de logística reversa, as empresas são responsáveis pela devolução dos vasilhames para as concorrentes, permitindo que o botijão volte à cadeia de distribuição.

Segurança preocupa associações do setor
A segurança no manejo dos botijões é apontada entre representantes de associações do setor como uma das maiores preocupações para a liberação a prática do enchimento parcial. Para Tonietto, a requalificação do cilindro é peça fundamental na cadeia de garantir a segurança do GLP utilizado em residências.

“Cada vez que o cilindro é enchido no Brasil, ele passa por processo de inspeção visual, para ferrugem e amassados, e data de ‘validade’. Se permitido o enchimento fracionado, quem será responsável por isso seria uma espécie de frentista. Na realidade brasileira, existe grande chance desses botijões serem sucateados e aumentar o risco de acidentes “, afirma ele.

O presidente do Sindigás, Sergio Bandeira de Mello, também não poupa críticas à proposta da ANP de liberar o enchimento parcial. Para ele, a mudança pode afetar as práticas do setor que garantem a segurança aos vasilhames. Atualmente, a empresa distribuidora dos cilindros é responsável civil e criminalmente por falhas na fiscalização e manutenção do botijão.

“A marca é um signo de responsabilidade”, diz. “Hoje no Brasil o botijão dura em média 45 anos. O consumidor não entende nada disso e nem deve entender, não é ele que deve ser responsável por essa manutenção”, defende Mello.

Proposta foram anunciadas sem estudos, avaliam entidades
Por meio de uma nota técnica, a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) sugere que na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) seja recomendado um posicionamento da ANP a respeito do enchimento fracionado e da utilização de botijões de outras marcas, no sentido de ampliar a concorrência e provisionar mais liberdade para a escolha do consumidor.

A Secap vê no fim de restrições — enchimento fracionado e de botijões de qualquer marca, sem exclusividade das distribuidoras — uma oportunidade para aumento da concorrência no setor de GLP, mas pondera que a decisão cabe à ANP.

As associações do setor afirmam que é preciso mais debate sobre a proposta e que houve um atropelo da agência em anunciar estudos de uma iniciativa que sequer foi colocada em consulta pública.

“Me parece prematuro quando o diretor-geral, em um evento de gás natural, comenta uma ideia que nem ao menos está trabalhada. É preciso analisar se tecnicamente é viável”, diz Tonietto.

O presidente do Sindigas também cobrou a proposta e aponta que o impasse maior é não ter conhecimento do problema que a iniciativa pretende sanar, mas garantiu que é favorável ao debate.

“GLP, por sua relevância social e por ter manuseio perigoso, não permite experimentação. Qualquer proposta tem que ser apresentada desde o início com o conceito claro do problema a ser solucionado e explicações claras de como resolver. A gente não acredita que a ANP possa ser dada a experimentação”, critica.

Estudos começaram em 2018
A proposta do enchimento parcial é defendida na ANP sobretudo pelo diretor-geral da agência, Décio Oddone. Na cerimônia de lançamento do programa Novo Mercado de Gás, Oddone reforçou a defesa da proposta em seu discurso.

“Atualmente não é possível comprar um botijão parcialmente cheio, prática que equivaleria a um motorista ser obrigado a encher todo o tanque do carro”, disse Oddone.

“Isso impacta particularmente as famílias de baixa renda, que chegam ao final do mês sem recursos para comprar um botijão completo. Assim, uma dona de casa pode ser levada a migrar para o carvão, a lenha ou o álcool, correndo riscos e criando implicações para a saúde pública”.

Em 2018, a ANP lançou a Tomada Pública de Contribuições (TPC) 07/2018 para colher sugestões sobre mudanças regulatórias no setor de GLP, entre elas o enchimento fracionado. Recentemente, a agência exclui regras que impediam a venda direta de GLP por distribuidoras, uma restrição criada em 2016, mas com caráter burocrático, sem efeito prático.

Outras medidas devem ser ainda discutidas no CNPE, em agosto, que deve formalizar a necessidade de uma proposta da ANP. Antes de entrar em vigor, mudanças devem passar por análise nas áreas técnicas, consulta e audiência públicas e serem aprovadas pelos diretores da agência.

Fonte: https://epbr.com.br/paraguai-e-o-unico-pais-que-enche-parcialmente-botijao-de-gas-na-america-latina/